Por que ler Iracema? - Francisco Carrasco

Tomo de empréstimo o título do italiano Ítalo Calvino; ‘Por que ler os clássicos?’ – publicado pela Companhia das Letras -; para falar de dois da Língua Portuguesa, o que cede o título, ‘Iracema’ de José de Alencar, brasileiro, e ‘Os Lusíadas’, Luís Vaz de Camões, português.  

Estes dois autores têm papel fundamental na Língua Portuguesa, Camões inovou-a, gosto de dizer que é o pai da Língua Portuguesa moderna, um divisor entre o português arcaico, o galego – falado nas províncias -, ao que aproximadamente falamos hoje desconsiderando a evolução histórica do século XIV para cá, e Alencar, que em seu ideal ufanista, escritor do Romantismo, colocou na produção de seus romances, buscando a ruptura ao português de sintaxe lusitana à brasileira mais malevolente com as regras e a inserção de palavras de origem tupi, bem vistas em Iracema. Aliás, retomado por Mário de Andrade e a turma do Modernismo.

A aproximação entre eles não basta nisto, morreram jovens, o português com aproximadamente 55 anos, não se sabe ao certo, pois, apesar de vir de uma família abastada, ao seu nascimento não gozava da posição de outrora, já Alencar, de família rica e influente no Ceará, seu pai era Senador vitalício, deixara o mundo para habitar a perenidade em sua obra aos 48.

Com relação às obras, Camões iniciou a escrita de ‘Os Lusíadas’ fora de Portugal, em Macau, na China. Por conta de suas aventuras e boemias, em um confronto na corte, a frequentava, para isto tinha-se dois caminhos: ou se era nobre ou do exército, este fora o que fizera para estar nela. Acabou ferindo um plebeu no paço, e partiu pela segunda vez de Portugal, agora para uma missão em Macau, colônia portuguesa.  Nesta viagem, inicia a obra ressaltando os feitos do povo português, desejo de D. João II por uma epopeia que não havia sido atendida, apenas um poeta se oferecera, o italiano Angelo Poliziano, não satisfazendo ao rei. E a história do povo acabou sendo contada em prosa pelo historiador João de Barros em ‘As décadas da Ásia’ – deveria ter escrito sobre as expansões do império português, com outras ‘décadas’, como a da América, porém a morte lhe encerrou a escrita. No exílio, Camões teve contado com esta obra e de alguns cronistas iniciando a sua epopeia neste longínquo continente. Retorna à península e a conclui. Lê-a ao D. Sebastião, que bocejando, diz que a editassem e que se pagasse uma pensão ao autor, nunca recebera.

Alencar viera à São Paulo estudar direito, caminho costumeiro para ser um político no país – naquela época -, porém tranca o curso na Faculdade de Direito e parte para Olinda onde dá prosseguimento. Na biblioteca da faculdade pesquisa sobre o descobrimento lendo alguns cronistas, a carta de Caminha entre outros. Nesta época, D. Pedro II patrocinava um poeta, Gonçalves de Magalhães, autor de ‘Suspiros poéticos e Saudades’, obra considerada como o marco inicial do nosso romantismo literário. E de ‘A Confederação dos Tamoios’, a esta, Alencar lança graves críticas pelo seu afastamento do que era verdadeiramente o Brasil - que conhecera aos 9 anos em viagem com o seu pai ao Rio de Janeiro, no caminho, a paisagem lhe marca -, fato que desagrada D. Pedro II, o seu pupilo sendo criticado. A desavença entre os dois cresce, Alencar almeja a posição que ocupara o pai, Senador Vitalício, D. Pedro II nega-lhe, o escritor dá-lhe uma boa resposta! – Se bateu a curiosidade da fofoca literária, pergunte-me nos comentários! E inicia Iracema em ‘Olinda’, como Camões, as duas obras para ressaltar o povo foram escritas inicialmente longe dele, ‘Iracema’ trata da fundação do Ceará.

Em Lusíadas são narrados os feitos de Vasco da Gama e a sua viagem às Índias, em Alencar, guiado por Iracema, nos é narrada em tom de epopeia (primeiramente o romance era para seguir o rigor dos versos; Alencar abre mão pela expressão da narrativa, todavia, percebe-se claramente nos capítulos iniciais tal objetivo), a luta de Martim Moreno aliado aos índios potiguaras em nome da coroa portuguesa contra os franceses, invasores das terras da colônia, pactuados com os índios tabajaras e tupinambás. As duas obras se aproximam não apenas pelas questões já pontuadas, mas pelo erotismo. Em ‘Os Lusíadas’, o povo português é guiado por Vênus e no episódio ‘Ilha dos Amores’, as ninfas, a pedido dela, banham-se e lavam as suas partes, brincam e fingem-se de difíceis aos portugueses, mas que à orientação, devem os agradar, pois estão sequiosos não apenas por alimento e descanso, são dois anos no mar. Isto está na obra! Não é safadeza minha! Já Martim, encontra Iracema, que o conduz, banhando-se, a natureza canta a sua beleza, os cabelos como as penas da graúna descem pelo seu corpo e tocam-lhe as partes, Martim a contempla, ela o fere, mas tudo passa... não quero estragar a obra, não direi muitos detalhes. Fora isto, os autores utilizam o recurso narrativo in medias res, o flashback, Camões pelo meio, Alencar, pelo fim.

Outras similaridades, em ‘Iracema’, Poti pede ao Martim que não volte os olhos à Iracema, pois não conseguiria continuar para a batalha, mesma orientação de Vasco da Gama aos seus marinheiros.

As duas obras buscam exaltar o cristianismo, todavia, valem-se de outras crenças, religiões, Camões da grega e Alencar da tupi, este, em ruptura ao Arcadismo e como ideal da construção do homem desta nação na combinação com o português.

Os dois autores passaram por períodos agitados da história, o português com a expansão do império e o choque com outras culturas e religiões; o brasileiro, com o mundo em transformação, a ascensão da burguesia e novos valores da sociedade moderna. Alencar fora Ministro da Justiça, mas isto é pano para outra história, quando um dia for tratar de Joaquim Nabuco.

Ah! Ambos são epopeias artificiais, não nasceram da boca do povo como Ilíada, uma epopeia natural e não trazem no título o lugar ou o herói da história, regra a este tipo de composição.

 

E Clássico também é best-seller, uma coisa não reduz a outra! Curiosidade, ‘O Guarani’ fora publicado em folhetins, a cada número, as pessoas se reuniam nas praças e liam em voz alta, debatiam sobre as personagens!

                                                                                   Francisco Carrasco


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