A formação feminina e a segregação horizontal: a divisão sexual de carreiras


 O estereótipo feminino presente ao longo dos séculos na sociedade patriarcal perdura até os dias atuais. A mulher ainda é vista como a maior responsável pelas atividades do lar e pela educação dos filhos, enquanto o homem é tido como o principal provedor do sustento da família (Carvalho, 2016; Hayashi et alii, 2007; Lopes, 2000; Olinto, 2011; Soares, 2000; Reith, 2014; Vianna, 2001).
Esse estereótipo contribui para que a formação das mulheres, desde crianças, seja diferente da dos homens. Dessa forma, as meninas são estimuladas a brincarem de casinha e com bonecas, ou seja, desde muito cedo aprendem que seu lugar está junto do cuidado, da ternura, da subjetividade e da passividade. Delas espera-se a fragilidade, a submissão e a dedicação. Os meninos, por outro lado, são instigados com brinquedos de montagem de blocos, conferindo-lhes noção de espaço, autonomia e racionalidade. Aliás, os brinquedos tidos como masculinos podem ser entendidos como artefatos técnicos em miniaturas, como aviões, trens e carros. Deles, diferentemente das meninas, espera-se que sejam capazes de serem líderes e autoconfiantes (Carvalho, 2016).
Para Olinto (2011), há muitos estudos que destacam e levantam informações sobre as diferenças de gênero numa perspectiva sociocultural e, para a autora, esses estudos demonstram o quão estereotipadas as mulheres são e como isso influencia em suas vidas:
Focalizam esses estudos em crenças, valores e atitudes socialmente estabelecidos, que formam estereótipos sobre as habilidades diferenciadas entre homens e mulheres e influenciam as escolhas que as mulheres fazem cedo em sua existência, estabelecendo barreiras que limitam suas chances de vida
(Olinto, 2011:69).
Desse modo, a segregação horizontal, marcada por essa divisão entre o que é feminino e masculino, leva as mulheres a escolherem caminhos e, futuramente, áreas de atuação muito divergentes dos caminhos que normalmente são escolhidos pelos homens. Afinal, a atuação exercida sobre elas, da própria família e da escola desde muito cedo, levam-nas a se autoavaliarem como mais capazes para exercerem atividades específicas. Portanto, ao se tornarem adultas, estabelecem estratégias de vida que são mais compatíveis com o que julgam ser mais adequado para si, ou seja, com o que se sentem mais predispostas a fazer. Consequentemente, pode-se inferir que esta predisposição ou aptidões tidas como femininas são culturalmente impostas. Uma ilustração válida sobre isso se dá na vida escolar, na qual faltam referências de grandes nomes femininos no mundo das ciências, deixando implícito que esse mundo não é da alçada feminina (Vianna, 2001; Olinto, 2011; Carvalho, 2016).
Harding (1993) ressalta que esse cenário reflete um sistema simbólico das relações de gênero, uma vez que os estereótipos de feminilidade e masculinidade são previamente delineados. Qualquer diferença ao agir, que não esteja marcada nesse sistema, atrai preconceito, indiferença e menosprezo.
Esse sistema simbólico das relações de gênero, baseado em estereótipos culturalmente determinados, permite compreender porque as carreiras da saúde, das artes e das ciências humanas são consideradas femininas (Godinho et alii, 2006). Isso reforça a tendência, apontada por Yannoulas, Vallejos e Lenarduzzi (2000), de que as mulheres fiquem agrupadas em disciplinas relacionadas a serviços. Por outro lado, as carreiras associadas às engenharias e à computação são tipicamente masculinas.
As engenharias fazem parte das chamadas “profissões imperiais”, juntamente com o direito e a medicina, devido às “práticas monopolísticas que reforçaram suas posições de prestígio e estabeleceram barreiras frentes às demais profissões” (Vargas, 2010, s.p.).
O fenômeno de papéis sexuais distintos na carreira científica é conhecido como gender tracking (Velho; León, 1998). Essa tendência também pode ser observada na pós-graduação. A Tabela 1 mostra o número de doutores cadastrados na Plataforma Lattes, por área de atuação.


Observa-se que as mulheres são grande maioria na área de Linguística e, também, nas áreas de Ciências biológicas, Ciências da saúde e Ciências humanas. No entanto, sua presença é menor nas demais áreas, ficando abaixo de 40% nas áreas de Ciências agrárias, Ciências exatas e da terra e, principalmente, nas engenharias, em que representam menos de 25%.

Historicamente, o acesso às instituições de ensino foi negado às mulheres (Hayashi et alii, 2007). Até os anos 1980, os homens eram mais escolarizados, mas, a partir dessa década, houve uma reversão dessa situação e as mulheres se tornaram mais escolarizadas que os homens (Beltrão; Alves, 2009). O acesso à educação fez com que as mulheres tivessem acesso também ao mundo da ciência, mas não de forma igualitária. Na seção seguinte, é abordada a presença das mulheres nesse espaço.

RISSI, Natália Caldeiran, CARVALHO, Angela M. C., RACHID, Alessandra. A formação feminina e a segregação horizontal: a divisão sexual de carreiras. In: As atividades de extensão sob a óticadas relações de gênero: um estudo em uma universidade pública. Cadernos Pagu (54), 06 mar. 2019.

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